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Prisão de Lula completa um mês com tiros, pressão da militância e passos do PT sob controle

Da sala de 15 metros, ex-presidente segue o cenário político e avisa que dorme sereno. “Não sei se os acusadores dormem com a consciência tranquila que eu durmo”

Fonte: EL PAÍS

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“Bom dia, presidente Lula!”. São 9h e a saudação anuncia o começo do dia na porta do prédio da Polícia Federal em Curitiba, onde Luiz Inácio Lula da Silva foi preso em 7 de abril, após ser condenado a 12 anos e um mês de prisão pela Operação Lava Jato. Há um mês, o tranquilo bairro de Santa Cândida, uma área de classe média, está agitado. Um grupo de apoiadores do ex-presidente se reveza na frente do prédio para manter uma vigília constante que, prometem, só acabará quando o petista for solto. É uma espera. Mas não sem alguma rotina. Após o bom dia, uma tenda móvel montada na rua recebe shows e discussões políticas. Às 19h, um “boa noite, presidente Lula”, amplificado por um microfone e uma caixa de som, marca o fim das atividades. Na próxima manhã, tudo recomeçará.

O objetivo do ato permanente, coordenado pelo PT e organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Sem-Terra (MST), é mostrar ao ex-presidente —e dar um recado público— de que ele não está isolado. É difícil, entretanto, que Lula consiga escutá-los. Sua cela, no quarto andar, fica nos fundos do prédio e a única janela se abre para um pátio interno. Nestes 15 metros quadrados, o presidente mais popular do Brasil está sozinho. Cumpre sua pena em uma sala especial, por ter sido chefe de Estado. Há uma cama, um banheiro privativo e uma porta normal, ao invés de grades. Uma vez por dia, durante duas horas, ele toma banho de sol em um terraço.

Além de Lula, a sede da PF de Curitiba abriga outros 21 presos no momento. Ela foi pensada para ser um lugar de passagem para detidos geralmente em flagrante. Mas desde o início da Lava Jato, passou a manter de forma mais permanente investigados que negociam delação premiada com a Justiça em troca de redução de pena. É lá que está, por exemplo, Léo Pinheiro, o executivo da OAS cujo depoimento foi determinante para a prisão do ex-presidente —ele afirmou que o triplex do Guarujá pertencia a Lula. E Antonio Palocci, ex-ministro petista, que deve delatar o antigo chefe em breve. Estar ali é mais confortável do que estar em um presídio comum. “Aqui, ao menos, ele tem alguma dignidade”, disse o petista Jaques Wagner, após visitá-lo na última quinta-feira.

Por isso, a defesa do ex-presidente não pediu ainda sua transferência para um lugar mais próximo da família, como é de costume. Terá até esta segunda-feira para se manifestar sobre dois pedidos de transferência feitos na Justiça. O primeiro, pela Polícia Federal, que diz que o custo de mantê-lo ali é muito alto —cerca de 300.000 reais por mês com a segurança extra dentro e fora do prédio, onde todo o quarteirão está isolado por barreiras policiais. O segundo, pela Prefeitura de Curitiba, que afirma que moradores do entorno do prédio estão incomodados com o barulho dos apoiadores e as barreiras da polícia, que só deixam passar quem mostra comprovante residencial. “É uma dificuldade de entrar e sair que muda nossa rotina”, conta o aposentado Antônio Rosa, 69 anos. “Mas o que enche a paciência mesmo é o barulho, esse bom dia, Lula, boa noite, Lula. Aqui sempre foi um lugar calmo”.

Para a professora de direito penal da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Maíra Zapater, há ainda outro problema em mantê-lo ali: a inadequação do local para a prisão. “Carceragem não é um local pensado para o cumprimento de pena. Ele já está em uma situação sem previsão legal, que é ser preso antes do final dos recursos sem os fundamentos da prisão preventiva, que são risco de fuga e possibilidade de destruição de provas”, ressalta ela. A professora também afirma que há uma súmula do Supremo Tribunal Federal que permite que presos preventivos possam fazer atividades para diminuir a pena, como trabalhar e estudar. Mas não há espaço para isso na carceragem de Curitiba. O professor de direito da USP, Gustavo Badaró, entretanto, discorda. “Não há como negar que ele está melhor que em um presídio. E ele poderia exercer trabalho ali porque não precisa ser algo formal. É só dar uma vassoura para ele e mandar ele varrer um espaço”, explica.

Visitas

Quase diariamente, os advogados de Lula estão com ele. Às vezes, levam recados do ex-presidente aos militantes. No último, entregue na sexta-feira, disse: “Estou tranquilo e sereno. Não sei se os acusadores dormem com a consciência tranquila que eu durmo”. Às quintas-feiras, ele recebe filhos e parentes de primeiro grau. Mais de uma dezena de conhecidos já tentaram encontrá-lo, entre eles o prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, o teólogo Leonardo Boff, e a ex-presidenta Dilma Rousseff. E também um monge budista de Brasília, sem qualquer relação com o ex-presidente. Foram proibidos pela juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução penal do petista, com o argumento de que isso poderia inviabilizar o funcionamento da sede da Polícia Federal, um prédio aberto ao público que emite passaportes.

Nesta última semana, entretanto, um acordo entre a Polícia Federal e a juíza mudaram o regime de visitas do petista. Ele conseguiu receber pela primeira vez amigos escolhidos. Serão dois, a cada quinta-feira, que dividirão o tempo com a família. Lula aproveitou, então, para tentar dizimar uma crise que parecia se formar no PT. Chamou a presidenta do partido, Gleisi Hoffmann, que levou a tiracolo Jaques Wagner, como quem precisava de uma conversa séria. Wagner é cotado para ser o plano B de Lula nas eleições de outubro, uma estratégia que não agrada o ex-governador baiano agora. Nos últimos dias, ele deu uma declaração em que se mostrava favorável a que o PT entrasse na chapa de Ciro Gomes (PDT), mas na vice-presidência. Hoffmann se enfureceu. Afirmou que Ciro “não passa no PT nem com reza brava”. Ao sair da visita a Lula, ambos foram questionados se o assunto foi tema do encontro. “Ciro Gomes não é pauta nem do PT, nem da conversa”, afirmou ela, irritada.

Ataques

Para acolher os militantes que permanecem diariamente na frente da Polícia Federal, um terreno foi alugado pelo Partido dos Trabalhadores a cerca de um quilômetro dali. São dezenas de barracas de camping e dois barracões de lona, banheiros com ducha e uma cozinha, que na última quinta-feira servia gratuitamente arroz com charque, feijão e legumes. A cada dia, chegam e saem delegações de diversos Estados para manter o apoio ao ex-presidente. E todos dormem ali. “Pretendo ficar aqui até ele sair. E quero que isso seja o mais breve possível”, afirmou o carioca Richard Faullaber, 63 anos, filiado ao PT desde 1981 e professor voluntário em uma favela. “Lula tirou milhões de crianças da pobreza. O trabalho político é fundamental”, explicava ele.

Na última semana, a porta do acampamento ganhou uma barricada de proteção. E uma viatura permanente da Polícia Militar na porta. Na madrugada de sábado, 28 de abril, uma pessoa atirou contra os habitantes do acampamento pró-Lula, deixando dois feridos. O sindicalista Jefferson Lima de Menezes foi atingido no pescoço e deixou o hospital apenas na última quinta-feira. “Os tiros começaram e mandamos todo mundo para os fundos do acampamento, para deitar no chão”, conta Jocimar Soares, 28. “Hostilidade contra a gente tem todo dia. É comum, diário”, diz. Na última sexta-feira, um delegado da Polícia Federal atacou a vigília de Lula na frente da Polícia Federal. Logo após o bom dia, destruiu os aparelhos de som. Caixas substituídas, tudo já estava pronto para o boa noite.

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