Sem proposta para alterar regime de militares, reforma só atingirá os trabalhadores mais pobres. Segundo Carlos Gabas, ao contrário do que diz governo, servidores já não se aposentam com valor acima do teto.
A reforma da Previdência que deverá ser anunciada nesta quarta-feira (20), em cadeia nacional de rádio e TV por Jair Bolsonaro (PSL/RJ), não deverá incluir mudanças mais profundas no sistema de aposentadoria de militares, uma das categorias que mais oneram os cofres da Previdência pública. No total, o país tem 381 mil militares inativos e pensionistas que até este ano, segundo o governo, serão responsáveis pelo rombo de R$ 43,3 bilhões nos cofres da Previdência.
Já a maioria da classe trabalhadora, tanto os da iniciativa privada, vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), quanto os servidores, vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), vai sofrer com as novas regras que dificultam o acesso e reduzem o valor dos benefícios, se o Congresso Nacional aprovar o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma da Previdência que prevê obrigatoriedade de idade mínima para acesso a aposentadoria de 65 anos para os homens e 62 para as mulheres, com um período de transição de 12 anos para eles e 10 anos para elas.
E a situação de quem entrar no mercado de trabalho no futuro pode ser pior ainda se o governo implantar o sistema de capitalização previdenciária, como vem sendo vazado pela imprensa. Por esse sistema, o trabalhador deposita um valor mensal em uma conta corrente para bancar sua aposentadoria no futuro.
Para professora de economista da USP, Leda Paulani, a reforma não vai combater privilégios, vai agradar o mercado financeiro. Ela critica a não inclusão dos militares na proposta. Segundo a professora, até agora, não está claro qual será a mudança para as forças armadas, incluindo os policiais, bombeiros e magistrados, categorias regidas por sistemas próprios de previdência responsáveis pelos maiores gastos com a Previdência pública.
“Os militares são um problema para o governo porque eles são o governo. Boa parte está no primeiro escalão e nos ministérios. Tenho a impressão que se houver uma mudança será muito pequena, uma ‘perfumaria’ para enganar os demais trabalhadores”.
Para Leda Paulani, pelo que se sabe até agora, o que o governo quer “é reduzir a importância do Regime Geral da Previdência, em que os trabalhadores mais jovens contribuem para pagar a aposentadoria dos mais velhos; reduzir a contribuição das empresas para livrar a cara delas e impor aos trabalhadores o modelo de capitalização. Será o fim do regime de solidariedade“.
Vamos conversar sobre privilégios?
Os militares brasileiros, que não estão vinculados ao RGPS administrado pelo INSS, nem ao RPPS, têm legislação própria muito especial que parece que não vai mudar. Eles podem se aposentar com salário integral após 30 anos de serviço, sem idade mínima. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), 55% dos militares brasileiros se aposentam quando têm entre 45 e 49 anos de idade.
De acordo com a Lei, eles primeiro passam para a reserva, ou seja, ficam a disposição para o caso de uma guerra, por exemplo, e só depois são reformados, ou seja, são considerados inativos. Quando se aposentam de fato, têm direito a até 30 quotas de soldo de adicional militar; adicional de habilitação, adicional de tempo de serviço, adicional de compensação orgânica e adicional de permanência, o que equivale a praticamente um salário por cada ano trabalhado. Além disso, como aposentados, têm direito a adicional-natalino, auxílio-invalidez, assistência pré-escolar, salário-família, auxílio-natalidade e auxílio-funeral.
O benefício do militar que vai para a reserva não é limitado ao teto do INSS (R$ 5,8 mil em 2019) como o dos trabalhadores da iniciativa privada. Em tese, ele está sujeito ao teto constitucional, equivalente ao salário de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no valor de R$ 39,3 mil. A média dos militares reformados e da reserva é de R$ 13,7 mil por mês.
A única contribuição feita por militares, para pensões, é de 7,5% – que pode subir para 9% se o militar tiver ingressado antes de 2001 e quiser manter o benefício de pensão vitalícia para filhas não casadas.
Quer continuar conversando sobre os verdadeiros privilégios? Então, vamos falar sobre as milionárias pensões das filhas de militares
Um dos maiores críticos da reforma de Bolsonaro, o ex-ministro da Previdência Carlos Gabas, diz que o governo poderia combater as pensões milionárias de dependentes de militares e magistrados, se quisesse realmente acabar com os privilégios. E um dos passos seria acabar de vez com a pensão das filhas.
“Vocês acreditam que os militares, além de tudo isso, ainda têm a opção de pagar uma contribuição previdenciária de 1,5% a mais para manter a pensão integral para as herdeiras? É isso mesmo, se pagarem 9% ao invés de 7,5%, manterão os privilégios”, critica Gabas.
Levantamento feito em maio de 2018, pelo Jornal O Globo (as Forças Armadas demoraram cerca de três meses para dar as informações via Lei de Acesso à Informação), mostrou que somente de pensão às filhas de militares mortos, o Exército gasta quase R$ 5 bilhões ao ano, mais do que toda a receita previdenciária das três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) que em 2017 somou R$ 3,342 bilhões.
E pior, embora tenha sido extinta em 2000, estima-se que até 2060 mulheres, muitas delas casadas e em idade produtiva, continuem recebendo o benefício. A partir de dados fornecidos pelo Exército, é possível estimar que a despesa anual continuará próxima a R$ 4 bilhões daqui a 40 anos.
Bolsonaro deveria combater os privilégios de militares, juízes e promotores. Ao não fazê-lo, demonstra que ele quer apenas acabar com o regime de repartição
Bolsonaro mente quando diz que servidores são privilegiados
O ex-ministro acredita que o discurso do governo de que o problema da previdência está nos valores das aposentadorias pagas aos servidores é uma mentira. Segundo ele, o problema são os altos salários na ativa que alguns servidores de alto escalão, como juízes e promotores, conseguem.
Gabas justifica sua tese ao lembrar que em 2012, durante o governo Dilma Rousseff, uma emenda regulamentou o Fundo de Previdência do Servidor, seja do Executivo, Legislativo e Judiciário.
“A emenda da Dilma obriga os servidores a se aposentar pelo teto do INSS como todo trabalhador. Os servidores já não se aposentam mais com R$ 80,100 mil reais como antes. Quem quiser se aposentar com mais vai ter de contribuir com uma aposentadoria complementar”.
Sobre os altos salários, o ex-ministro se refere ao Poder Judiciário, em que magistrados, juízes, desembargadores e promotores recebem, muitas vezes, acima do teto salarial do serviço público que é de R$ 39 mil. Eles contribuem ao RPPS com 11% da remuneração bruta e a União contribui com mais 11%.
O salário, mais os inúmeros penduricalhos agregados ao contracheque, podem elevar os ganhos acima do teto constitucional de R$ 39,3 mil, equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Um exemplo é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Aloysio Corrêa da Veiga, que recebeu R$ 110 mil de salário em dezembro de 2017. Veiga também recebeu acima do teto em novembro (R$ 57 mil) e junho (R$ 55 mil).
Algumas categorias estão inflando os salários atuais como forma de compensação pelo fim da aposentadoria integral. Um absurdo
Segundo o ex-ministro, até 2042 não haverá mais déficit da previdência por parte dos servidores da União. “A medida tomada por Dilma vai equilibrar as contas. Não há motivo para se fazer a reforma acusando os servidores públicos de serem privilegiados”.
Para o ele, é possível acabar com os privilégios, distribuindo melhor a alíquota de contribuição da previdência entre todos. “Não dá para todo mundo pagar 11%. Quem ganha mais deve contribuir com mais”, defende.
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